Genocídio?
- ‘O senhor é o responsável da igreja católica de Nyala?’
Ao meu sim, o representante do protocolo do governador de Nyala perguntou se estava interessado em receber a visita da delegação enviada pelas Nações Unidas. A surpresa foi grande ao ouvir que a igreja, desta vez, é parte do programa oficial.
Ao meu sim, o representante do protocolo do governador de Nyala perguntou se estava interessado em receber a visita da delegação enviada pelas Nações Unidas. A surpresa foi grande ao ouvir que a igreja, desta vez, é parte do programa oficial.
De repente as pessoas que estavam comigo ocupadas nos preparativos da semana santa viram-se rodeados de uma dezena de pessoas, seis das quais estrangeiras. Quem eram? Qual o motivo deste encontro repentino e inesperado? E as saudações, boas-vindas e salamaleques misturaram-se, entre outras coisas, com as perguntas sobre a guerra e a segurança no Darfur.
Quem guiava a conversa era versado na arte de perguntar... e também de responder. Situação que os membros da delegação da ONU imediatamente captaram e delicadamente foram tentando remediar. Câmaras fotográficas e de vídeo eram usadas sem problemas. Tudo politicamente correcto.
Rapidamente se formou um grupo onde o Macur e eu partilhávamos sobre o tema do diálogo interreligioso. Os 6 estrangeiros ouviram, sem problemas, a tradução oficial. Graças a Deus há gestos bonitos de expressão de uma convivência de respeito e diálogo entre muçulmanos e cristãos.
Antes de terminar, queriam passar pelo interior da igreja... O Sr. Joseph K., membro da comitiva da ONU, fez-se despercebido. Num abrir e fechar de olhos, vejo-o a conversar com quem ele bem entendia. Os oficiais sudaneses, já à porta da igreja voltaram para trás e juntaram-se a nós. Admirei o seu poder de disfarce. O ambiente tornou-se um pouco pesado e um tanto mais sério. O que facilitou, não obstante, para que não se perdesse uma palavra sequer do que estava a ser dito.
- ‘Ao voltarmos ao nosso país queremos transmitir aquilo que vimos e experimentámos aqui, sobretudo no que diz respeito à segurança das pessoas’.
O interlocutor é um sudanês do sul do país. Aparenta mais de 40 anos de idade (omite-se o nome por razões de segurança), fala o inglês razoavelmente e trabalha numa Organização Humanitária. Queria comentar em jeito de resposta, mas esperou pela verdadeira pergunta, que veio logo a seguir:
- ‘É verdade que há genocídio aqui no Darfur?’
As suas palavras põem em risco a sua vida e a de mais alguns.
- “Agradeço a vossa visita à igreja, se não mais para vos dizermos que não é aqui no centro da cidade que se vêem os massacres e genocídios perpetrados pelos jaunjauid, directa ou indirectamente. Assim como vossas excelências quiseram vir à igreja católica, queiram também fazer o pedido ao governador de Nyala para se deslocarem às aldeias fora da cidade. Infelizmente, lá não tereis oportunidade de ver muita gente. Em muitas delas não encontrareis mesmo ninguém. Só escombros e alguns ossos que os animais deixaram espalhados. Não será por acaso que na Internet encontrais números como 200 mil mortos e 2 milhões e meio nos campos de refugiados’.
- ‘Com estes carrões em que eles viajam põem-se lá num ai!’ – Cochichou a meu lado uma das vítimas das razias dos janjauid na aldeia de Khur el Bachar e que agora vive no campo de refugiados de Utach (por razões de segurança não revelamos o seu nome).
Uma voz soou e desta vez foi obedecida: ‘o nosso muito obrigado a todos vós por terdes recebido os nossos ilustres hóspedes. Agora é mesmo o fim. Amanhã voarão para Cartum.’
‘Com esses carrões em que eles viajam, põem-se lá num ai’!
Mas não. Amanhã voarão para Cartum.
E depois de amanhã? Já não faço mais contas. Por minha parte, fico a rezar para que a pomba branca não perca o rumo nem se canse de voar e chegue ao seu destino:
Quem guiava a conversa era versado na arte de perguntar... e também de responder. Situação que os membros da delegação da ONU imediatamente captaram e delicadamente foram tentando remediar. Câmaras fotográficas e de vídeo eram usadas sem problemas. Tudo politicamente correcto.
Rapidamente se formou um grupo onde o Macur e eu partilhávamos sobre o tema do diálogo interreligioso. Os 6 estrangeiros ouviram, sem problemas, a tradução oficial. Graças a Deus há gestos bonitos de expressão de uma convivência de respeito e diálogo entre muçulmanos e cristãos.
Antes de terminar, queriam passar pelo interior da igreja... O Sr. Joseph K., membro da comitiva da ONU, fez-se despercebido. Num abrir e fechar de olhos, vejo-o a conversar com quem ele bem entendia. Os oficiais sudaneses, já à porta da igreja voltaram para trás e juntaram-se a nós. Admirei o seu poder de disfarce. O ambiente tornou-se um pouco pesado e um tanto mais sério. O que facilitou, não obstante, para que não se perdesse uma palavra sequer do que estava a ser dito.
- ‘Ao voltarmos ao nosso país queremos transmitir aquilo que vimos e experimentámos aqui, sobretudo no que diz respeito à segurança das pessoas’.
O interlocutor é um sudanês do sul do país. Aparenta mais de 40 anos de idade (omite-se o nome por razões de segurança), fala o inglês razoavelmente e trabalha numa Organização Humanitária. Queria comentar em jeito de resposta, mas esperou pela verdadeira pergunta, que veio logo a seguir:
- ‘É verdade que há genocídio aqui no Darfur?’
As suas palavras põem em risco a sua vida e a de mais alguns.
- “Agradeço a vossa visita à igreja, se não mais para vos dizermos que não é aqui no centro da cidade que se vêem os massacres e genocídios perpetrados pelos jaunjauid, directa ou indirectamente. Assim como vossas excelências quiseram vir à igreja católica, queiram também fazer o pedido ao governador de Nyala para se deslocarem às aldeias fora da cidade. Infelizmente, lá não tereis oportunidade de ver muita gente. Em muitas delas não encontrareis mesmo ninguém. Só escombros e alguns ossos que os animais deixaram espalhados. Não será por acaso que na Internet encontrais números como 200 mil mortos e 2 milhões e meio nos campos de refugiados’.
- ‘Com estes carrões em que eles viajam põem-se lá num ai!’ – Cochichou a meu lado uma das vítimas das razias dos janjauid na aldeia de Khur el Bachar e que agora vive no campo de refugiados de Utach (por razões de segurança não revelamos o seu nome).
Uma voz soou e desta vez foi obedecida: ‘o nosso muito obrigado a todos vós por terdes recebido os nossos ilustres hóspedes. Agora é mesmo o fim. Amanhã voarão para Cartum.’
‘Com esses carrões em que eles viajam, põem-se lá num ai’!
Mas não. Amanhã voarão para Cartum.
E depois de amanhã? Já não faço mais contas. Por minha parte, fico a rezar para que a pomba branca não perca o rumo nem se canse de voar e chegue ao seu destino:
Darfur.
Feliz mccj, Nyala, Maio 2007
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