Eu vivi aqui
O medo sempre presente
- ‘Dizias que me ias mostrar a tua aldeia’!?
- ‘É aqui mesmo. Foi! Até há dois anos atrás’.
Os meus pés pisam escombros; vêem-se canas no chão. Aqui e além alguns restos de tijolos “verdes” (assim chamados porque cozidos ao sol). O aldeamento já não existe mas o nome ficou: Talata Ardeb.
-‘A minha casa era mesmo ali em frente; consistia de um kurnuk, uma gutia e um pátio; a minha foi uma das 37 famílias que pôde escapar antes do grande massacre, onde foi morta quase metade da população’.
Quanto a El Nur, habita agora, com a mulher e os três filhos, em Majok, uma aldeia perto do aeroporto de Nyala que os janjauid não destruíram, talvez, para fazer boa impressão a quem chega a Nyala por via aérea.
-‘E aquelas mulheres (bem mais de uma dezena) que andam a rebuscar lenha?’
-‘ Não as conheço, mas só podem ter vindo do campo de refugiados de Kalma, (a 3 kms)’.
Não muito longe de nós, um rebanho de umas 3 centenas de ovelhas e cabras e duas grandes manadas de camelos vagueiam livremente à procura de pasto que o sol abrasador de 43 graus fez desaparecer, aumentando o deserto que, entretanto, espera a próxima bênção das chuvas. Com dor e muita emoção, El Nur continuou:
- ‘Tudo o que vemos à nossa volta pertence agora a um só e mesmo dono (colectivo): os janjauid. Terra, manadas e rebanhos, plantações...
- ‘E as mulheres não têm medo’?
- ‘O medo está sempre presente. Mas a distribuição de alimentos pelas Organizações humanitárias não dá para tudo. Elas sabem que os janjauid podem aparecer a qualquer momento. Mas arriscam porque a prioridade é sobreviver. Tu e eu também estamos em situação de risco’.
Procurei dissimular e não dar importância ao arrepio que me veio por todo o corpo. Mas logo ouvi palavras que me aliviaram:
- ‘Até agora não houve notícias de ataques a estrangeiros. E quanto a mim, já não tenho nada a perder; a minha verdadeira riqueza (mulher e filhos) vive agora em Majok’.
Parou a olhar para mim, enquanto eu lhe expressava os meus votos sinceros:
- ‘Deus te conserve sempre “rico” e te faça realizar os teus desejos’.
- ‘Amen’! Concluiu ele à maneira de bom muçulmano.
Quanto a este e outros grupos de mulheres que fomos encontrando a apanhar lenha, só desejo que possam regressar com os feixes ao campo de Kalma. Todas! Porque, frequentemente, algumas delas não têm regressado. Os janjauid são os donos de tudo. E delas também!
Quisera não ouvir mais histórias como aquela do grupo de mulheres que saíram, um dia, a apanhar lenha não muito longe do campo de refugiados de Kalma, onde viviam. Uma delas, a Auatif, não regressou. Quatro janjauid apareceram, montados em camelos. Agarraram-na, mas como ela resistia, arrastaram-na por uns metros. Até que a ataram a um camelo. Para onde? Para que? Para ser escrava dos senhores do Darfur: os janjauid. Com eles vale tudo, desde a violação ao espancamento, até deixar a presa inânime no chão, à mercê dos abutres e dos cães vadios.
Os donos e senhores do Darfur? Não existiriam, se não lhes fosse dada luz verde dos senhores do governo de Cartum!
- ‘É aqui mesmo. Foi! Até há dois anos atrás’.
Os meus pés pisam escombros; vêem-se canas no chão. Aqui e além alguns restos de tijolos “verdes” (assim chamados porque cozidos ao sol). O aldeamento já não existe mas o nome ficou: Talata Ardeb.
-‘A minha casa era mesmo ali em frente; consistia de um kurnuk, uma gutia e um pátio; a minha foi uma das 37 famílias que pôde escapar antes do grande massacre, onde foi morta quase metade da população’.
Quanto a El Nur, habita agora, com a mulher e os três filhos, em Majok, uma aldeia perto do aeroporto de Nyala que os janjauid não destruíram, talvez, para fazer boa impressão a quem chega a Nyala por via aérea.
-‘E aquelas mulheres (bem mais de uma dezena) que andam a rebuscar lenha?’
-‘ Não as conheço, mas só podem ter vindo do campo de refugiados de Kalma, (a 3 kms)’.
Não muito longe de nós, um rebanho de umas 3 centenas de ovelhas e cabras e duas grandes manadas de camelos vagueiam livremente à procura de pasto que o sol abrasador de 43 graus fez desaparecer, aumentando o deserto que, entretanto, espera a próxima bênção das chuvas. Com dor e muita emoção, El Nur continuou:
- ‘Tudo o que vemos à nossa volta pertence agora a um só e mesmo dono (colectivo): os janjauid. Terra, manadas e rebanhos, plantações...
- ‘E as mulheres não têm medo’?
- ‘O medo está sempre presente. Mas a distribuição de alimentos pelas Organizações humanitárias não dá para tudo. Elas sabem que os janjauid podem aparecer a qualquer momento. Mas arriscam porque a prioridade é sobreviver. Tu e eu também estamos em situação de risco’.
Procurei dissimular e não dar importância ao arrepio que me veio por todo o corpo. Mas logo ouvi palavras que me aliviaram:
- ‘Até agora não houve notícias de ataques a estrangeiros. E quanto a mim, já não tenho nada a perder; a minha verdadeira riqueza (mulher e filhos) vive agora em Majok’.
Parou a olhar para mim, enquanto eu lhe expressava os meus votos sinceros:
- ‘Deus te conserve sempre “rico” e te faça realizar os teus desejos’.
- ‘Amen’! Concluiu ele à maneira de bom muçulmano.
Quanto a este e outros grupos de mulheres que fomos encontrando a apanhar lenha, só desejo que possam regressar com os feixes ao campo de Kalma. Todas! Porque, frequentemente, algumas delas não têm regressado. Os janjauid são os donos de tudo. E delas também!
Quisera não ouvir mais histórias como aquela do grupo de mulheres que saíram, um dia, a apanhar lenha não muito longe do campo de refugiados de Kalma, onde viviam. Uma delas, a Auatif, não regressou. Quatro janjauid apareceram, montados em camelos. Agarraram-na, mas como ela resistia, arrastaram-na por uns metros. Até que a ataram a um camelo. Para onde? Para que? Para ser escrava dos senhores do Darfur: os janjauid. Com eles vale tudo, desde a violação ao espancamento, até deixar a presa inânime no chão, à mercê dos abutres e dos cães vadios.
Os donos e senhores do Darfur? Não existiriam, se não lhes fosse dada luz verde dos senhores do governo de Cartum!
Feliz mccj. Nyala, Maio 2007
1 Comments:
Não podemo ficar indiferentes. Temos de ajudar este povo. Já ouvi pessoas a dizer que devemos é ajudar aqueles que estão próximos de nós. Mas, porquê? O Amor é infinito. Dá para todos. O cristão é um cidadão do mundo e irmão de todos, porque todos somos filhos de Deus.
É possível ajudar os de cá e os de lá. Não limitemos o Amor.
E se fossemos nós que estivéssemos lá no Darfur?
beijos em Cristo
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