Darfur 2
Continuação do relato do P. Feliz:
De repente, vejo que tenho um traquina – o mais crescido entre eles – sentado no suporte da bicicleta. Deve saber quem eu sou, pois é a segunda vez que venho a este lugar. Mas, antes que eu interviesse, ele antecipou-se e disse: “é ali mais à frente”.
Deixo-me guiar pelo meu novo amigo que fala num sotaque darfuriano muito carregado. O pequeno continua a dizer coisas que não entendo por completo, até que, finalmente, ouço que diz: “o meu nome é Khamis e tu és o abuna”.
A noticia deve ter passado de tenda em tenda. Muita gente se aproxima para ver o espectáculo do Khamis que conquistou o selim e o abuna que empurra a bicicleta…. Mas logo dou conta que o verdadeiro espectáculo é outro: pensam que vim distribuir alimentos. E ao verem-me de mãos vazias, a desilusão aparece marcada nos seus rostos. A minha dor aumenta porque não lhes posso valer.
Mais uma rua. E outra. Num salto, o Khamis, pôs-se no chão e convidou-me a entrar: “a casa de Deus é aqui”.
Era uma tenda maior que as outras onde estavam mais de meia centena de pessoas de todas as idades. Cantavam e rezavam sob a guia do catequista Joseph que dirigia o encontro de oração. Ouvi o meu amigo Khamis chamar mãe a uma senhora ainda jovem. Dei-lhe os parabéns por ter um filho tão esperto. E ela, entre soluços, contou a história daquela que foi a mãe do Khamis. Maria era o seu nome. Fora morta a tiro pelos Janjauid, quando fugia da sua casa em chamas que esses mesmos homens sanguinários tinham incendiado. Levanto os olhos e vejo braços que se vão erguendo. Percebi então que muitos dos presentes eram dessa mesma aldeia. Ao meu lado, um jovem acrescentou, tristemente: “famílias inteiras foram mortas nessa mesma hora, ali, com a Maria; os seus corpos ficaram espalhados no chão”. E, a custo, concluiu: “fugimos sem os ter podido sepultar; que Deus nos perdoe”.
O encontro está para acabar. Alguém lembra que se faça um presépio. Chovem ideias. Será um presépio vivo. Aquela tenda-casa de Deus representará o acampamento de Utach, abraçando todo o Darfur e o mundo inteiro. Não vão trazer bonequinhos nem figuras de fora. “No dia 25 – disseram com determinação – nós estaremos aqui”. Sim, acredito e estou certo de que eles farão uma linda representação. Eles mesmos vão ser o presépio. “Natal sem Luzes”, onde abunda a simplicidade e o brilho da fé que ilumina e conduz à salvação.
À tardinha, na volta para casa, as duas rodas pediam mais velocidade, mas os pedais não tinham culpa. Parte do meu ser estava ainda no acampamento que há pouco tinha deixado. Aquele presépio não vai morrer. Não haverá Janjauid que o mate. Estará sempre vivo. O Filho de Deus veio montar a sua tenda no meio do seu povo. Deus connosco. Emanuel. A sua Luz brilhará para sempre! Gloria a Deus no Céu e paz na terra…
Deixo-me guiar pelo meu novo amigo que fala num sotaque darfuriano muito carregado. O pequeno continua a dizer coisas que não entendo por completo, até que, finalmente, ouço que diz: “o meu nome é Khamis e tu és o abuna”.
A noticia deve ter passado de tenda em tenda. Muita gente se aproxima para ver o espectáculo do Khamis que conquistou o selim e o abuna que empurra a bicicleta…. Mas logo dou conta que o verdadeiro espectáculo é outro: pensam que vim distribuir alimentos. E ao verem-me de mãos vazias, a desilusão aparece marcada nos seus rostos. A minha dor aumenta porque não lhes posso valer.
Mais uma rua. E outra. Num salto, o Khamis, pôs-se no chão e convidou-me a entrar: “a casa de Deus é aqui”.
Era uma tenda maior que as outras onde estavam mais de meia centena de pessoas de todas as idades. Cantavam e rezavam sob a guia do catequista Joseph que dirigia o encontro de oração. Ouvi o meu amigo Khamis chamar mãe a uma senhora ainda jovem. Dei-lhe os parabéns por ter um filho tão esperto. E ela, entre soluços, contou a história daquela que foi a mãe do Khamis. Maria era o seu nome. Fora morta a tiro pelos Janjauid, quando fugia da sua casa em chamas que esses mesmos homens sanguinários tinham incendiado. Levanto os olhos e vejo braços que se vão erguendo. Percebi então que muitos dos presentes eram dessa mesma aldeia. Ao meu lado, um jovem acrescentou, tristemente: “famílias inteiras foram mortas nessa mesma hora, ali, com a Maria; os seus corpos ficaram espalhados no chão”. E, a custo, concluiu: “fugimos sem os ter podido sepultar; que Deus nos perdoe”.
O encontro está para acabar. Alguém lembra que se faça um presépio. Chovem ideias. Será um presépio vivo. Aquela tenda-casa de Deus representará o acampamento de Utach, abraçando todo o Darfur e o mundo inteiro. Não vão trazer bonequinhos nem figuras de fora. “No dia 25 – disseram com determinação – nós estaremos aqui”. Sim, acredito e estou certo de que eles farão uma linda representação. Eles mesmos vão ser o presépio. “Natal sem Luzes”, onde abunda a simplicidade e o brilho da fé que ilumina e conduz à salvação.
À tardinha, na volta para casa, as duas rodas pediam mais velocidade, mas os pedais não tinham culpa. Parte do meu ser estava ainda no acampamento que há pouco tinha deixado. Aquele presépio não vai morrer. Não haverá Janjauid que o mate. Estará sempre vivo. O Filho de Deus veio montar a sua tenda no meio do seu povo. Deus connosco. Emanuel. A sua Luz brilhará para sempre! Gloria a Deus no Céu e paz na terra…
(Feliz da Costa Martins – Nyala, Natal 2006)
Para ti, Feliz e Santo Natal!
Um ano novo de Paz, Justiça e Amor!
1 Comments:
Um Natal muito feliz para vocês. Que o Menino Jesus vos ilumine e que vivam com Deus em tudo e sempre, ou seja, com muito amor.
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